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Sustentabilidade no Brasil: aspectos da prevenção e reparação do dano ambiental à saúde coletiva

BELINDA PEREIRA DA CUNHA
* Texto elaborado a partir de pesquisa realizada na Universidade de Roma “La Sapienza”, através da bolsa CAPES programa PDE-doutorado-sanduíche, com tese de doutorado defendida na PUC/SP, Brasil, em junho/2003.

1. Considerações sobre a Rio 92: aspectos da Agenda 21. 2. Princípios da proteção constitucional ambiental. 2.1. Princípio do direito à sadia qualidade de vida. 2.2. Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais. 2.3. Princípio usuário-pagador e poluidor-pagador. 2.4. Princípio da precaução e da prevenção. 3. Conclusões. 4. Bibliografia.

1. Considerações sobre a Rio 92: Aspectos da Agenda 21

Os aspectos da sustentabilidade, questão que põe à prova nossa coerência diante de necessidades conquistadas graças ao desenvolvimento tecnológico, levam em consideração as questões econômico-sociais e geográficas, consistindo em temática que nos atinge a todos, indistintamente, há pelo menos três décadas.

Cuida-se da possibilidade de bem utilizarmos os recursos naturais, necessários para nossa sobrevivência e melhores condições de vida no planeta, assim tomados os avanços trazidos, notadamente pela Revolução Industrial e, conseqüentemente pelo desenvolvimento tecnológico, que assumiu um ritmo galopante nos últimos anos.

É certo que esse contorno admite duas importantes polaridades: a primeira, assumida nos países em desenvolvimento, como o Brasil, que por essa razão pode ver-se forçado a sacrificar condições do ambiente natural visando às melhorias sócioeconômicas, que de outro lado, também são integrantes do meio ambiente, a segunda põe-se entre os países desenvolvidos, cujo investimento e crescimento tecnológico vem colocando à prova os recursos naturais, já que nesses países – como alguns dos europeus e, notadamente os Estados Unidos – a velocidade e compromissos com a tecnologia de uma nova época ultrapassam, muitas vezes, preocupações globais com os recursos naturais, renováveis e não renováveis.

Tratando do controle e fiscalização da utilização dos recursos naturais, extrai-se do relatório do encontro chamado “Rio 92” que “as leis e regulamentações ambientais são importantes mas não podem por si sós pretender resolver todos os problemas relativos a meio ambiente e desenvolvimento”.

É sabido que, em matéria de desenvolvimento sustentável, os preços, mercados e políticas fiscais e econômicas, e governamentais, também desempenham um papel importante na determinação de atitudes e comportamentos em relação ao meio ambiente.

Durante os últimos anos, muitos Governos, sobretudo dos países industrializados mas também da Europa Central e do Leste e nos países em desenvolvimento, vêm fazendo uso cada vez mais intenso de abordagens econômicas, inclusive as voltadas para o mercado. Entre os exemplos está o princípio do “poluiu-pagou” e o conceito, mais recente, do “utilizou recurso natural, pagou”.

Dentro de um contexto econômico de apoio internacional e nacional e considerando a necessária estrutura jurídica e regulamentadora, as abordagens econômicas e voltadas para o mercado podem, em muitos casos, aumentar a capacidade de lidar com as questões do meio ambiente e do desenvolvimento. Isso se realizaria por meios da adoção de soluções eficazes no que diz respeito à relação custo/benefício, aplicando-se medidas integradas de prevenção e controle da poluição, promovendo a inovação tecnológica e exercendo influência sobre o comportamento do público em relação ao meio ambiente, bem como oferecendo recursos financeiros para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Tem-se, assim, que os países irão desenvolver suas prioridades, de acordo com seus interesses e necessidades, visando às próprias políticas e programas nacionais, tendo como alvo a realização de um progresso significativo, que possa permitir  a incorporação dos custos ambientais às decisões de produtores e consumidores.

Pode-se, assim, possibilitar a inversão da tendência de tratar o meio ambiente como um bem ou recurso infinito e gratuito, que pudesse ter de alguma maneira, numa visão equivocada, justificado sua exploração aleatória e incansável e, dia mais dia menos, vindo a repassar esses custos a outros setores da sociedade e, pior, a futuras gerações.

2. Princípios da proteção constitucional ambiental

Em nossos dias os estudos do Direito Ambiental representam parte da preocupação social, que se reflete no ordenamento jurídico brasileiro, relevante “na realidade humana que o produz e alimenta”, apoiado em bases científicas, envolvendo, além das Ciências Naturais, políticos, economistas, sociólogos, profissionais do Direito1.

Nas décadas de 70 e 80 a preocupação com o meio ambiente ganhou relevância em todas as áreas, despertando a proteção jurídica, a consciência e a importância do tema, chamando a atenção das autoridades públicas para o problema da sua degradação e destruição2.

A exigência da proteção jurídica do meio ambiente é decorrente da situação “sufocante” de degradação da qualidade de vida, que se possa detectar em vários fatores como o esgotamento de recursos de água potável, desaparecimento das espécies, destruição da camada de ozônio, multiplicação dos depósitos de lixo tóxico e radioativo, efeito “estufa”, erosão de solos férteis, devastação do patrimônio ecológico, artístico e cultural3.

Com a Constituição Federal de 1988 o direito ao meio ambiente, como bem difuso a ser protegido, veio expressamente assegurado no art. 225, ao prever o direito de todos ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”4.

Foram estabelecidas três concepções fundamentais no âmbito do Direito Ambiental, com a previsão do art. 225, ao indicar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de todos, estabelecendo a natureza jurídica dos bens ambientais como sendo de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e ao impor tanto ao Poder Público como à coletividade o dever de defender e preservar os bens ambientais para as presentes e futuras gerações5.

A proteção e preservação ao meio ambiente, na Constituição Federal brasileira, está no mesmo sentido da Declaração sobre o ambiente humano realizada na Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, quanto ao “Direito fundamental à liberdade, igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas: em um meio ambiente de qualidade que lhe permita uma vida digna, gozar de bem-estar, portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”6.

A Constituição Federal brasileira trata da vida, saúde e das relações humanas com esses bens, tendo por referência a preservação do planeta e das espécies, sobretudo humana, a tudo relacionando-se o meio ambiente, que com esses se confundem, abrangendo, além da proteção propriamente dita, os princípios que norteiam todas essas relações, como se depreende dos arts. 5o, LXXIII, 20, II, 23, 24, 91, § 1o, III, 129, III, 170, VI, 173, § 5o, 174, § 3o, 186, II, 200, VIII, 216, V, 220, § 3o, e inciso II, 231, § 1o, além do próprio 2257.

Os princípios encontrados no art. 225 são chamados de princípios globais, tratando da Política Nacional do Meio Ambiente e são: princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal (caput e § 1o); prevenção e precaução (caput e, v. g., § 1o, IV, com exigência de EIA/Rima); princípio da informação e da notificação ambiental (caput e § 1o, VI); educação ambiental (caput e § 1o, VI); participação (caput); poluidor pagador (§ 3o); responsabilidade das pessoas física e jurídica (§ 3o); soberania dos Estados para estabelecer sua  política ambiental e de desenvolvimento com cooperação internacional (§ 1o, art. 225 c/c as normas constitucionais sobre distribuição de competência legislativa); eliminação de modos de produção e consumo e da política demográfica adequada; princípio do desenvolvimento sustentado referente ao direito das integrações (caput).

São tratados como princípios constitucionais e legais do meio ambiente, o da obrigatoriedade da intervenção estatal, art. 225 (caput e § 1o) da Constituição Federal e art. 2o da Lei n. 6.938/81; e o princípio da prevenção e da precaução, expresso igualmente no art. 225 da Constituição Federal (caput, e § 1o, IV) e também no art. 2o da Lei n. 6.938/81.

Com a obrigatoriedade da intervenção estatal, o Poder Público tem o dever de defender e preservar o meio ambiente, assegurando, todavia, sua efetividade, vale dizer, deve dar-se a preservação efetiva, e não meramente formal, no sentido de promover a ação governamental com o fim de manter e defender o equilíbrio ambiental e a qualidade sadia de vida.

Além disso, como “alicerce ou fundamento do Direito”, os princípios gerais que informam o Direito Ambiental brasileiro têm também apoio em declarações internacionais, formando e orientando tais princípios a geração e a implementação desse ramo do Direito, como sistema de proteção ao bem ambiental8.

2.1. Princípio do direito à sadia qualidade de vida

O princípio do direito à sadia qualidade de vida foi destacado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo/72; assegurado, também, na sessão de Estrasburgo, em 4-9-1997, ao afirmar que “todo ser humano tem o direito de viver em um ambiente sadio”9.

Não se trata meramente de viver ou conservar a vida, mas sim de perseguir a qualidade de vida, o que se traduz no trabalho feito, anualmente, pela Organização das Nações Unidas – ONU, ao elaborar a “classificação dos países em que a qualidade de vida é medida, pelo menos, em três fatores, que são a saúde, educação e produto interno bruto”10.

“A saúde dos seres humanos não existe somente numa contraposição a não ter doenças diagnosticadas no presente”11, em outras palavras, quando tratamos do dano à saúde, sob o enfoque da proteção legal assegurada pela Constituição, alcançamos não somente a lesão, propriamente dita, mas também a ameaça, portanto, a exposição a fatores que possam colocar em risco a incolumidade da saúde humana.

O Decreto n. 3.321/99 promulgou o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, chamado “Protocolo de São Salvador”, concluído em 17-11-1988, que prevê em seu art. 11: “1. Toda pessoa tem direito de viver em ambiente sadio e a dispor dos serviços públicos básicos; 2. Os Estados Partes promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente”.

2.2. Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais

O princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais, parte do direito de todos ao bem ambiental, vale dizer, “bem de uso comum do povo”, explicado a partir da sua utilização propriamente dita, ou da sua não-utilização, sob o aspecto de sua preservação ou prevenção da escassez, presente ou futura, em razão desse recurso, como é o caso da água em nossos dias atuais.

Tem relação direta com o Princípio n. 1 da Declaração do Rio de Janeiro/92, que assegura o aspecto do antropocentrismo da proteção e acesso desses recursos, nestes termos: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”.

Como leciona Paulo Affonso Leme Machado, “o homem não é a única preocupação do desenvolvimento sustentável. A preocupação com a natureza deve também integrar o desenvolvimento sustentável. Nem sempre o homem há de ocupar o centro da política ambiental, ainda que comumente ele busque um lugar prioritário. Haverá casos em que para se conservar a vida humana ou para colocar em prática a ‘harmonia com a natureza’ será preciso conservar a vida dos animais e das plantas em áreas declaradas inacessíveis ao próprio homem. Parece paradoxal chegar-se a essa solução do impedimento do próprio acesso humano, que, a final de contas, deve ser decidida pelo próprio homem” (p. 47-48).

Bem compreendemos o caráter antropocêntrico de nossa Constituição Federal, que, ao instituir a Política Nacional do Meio Ambiente, destacou a qualidade de vida sadia e a igualdade da acessibilidade dos recursos naturais, o que não desnatura a importante ressalva feita pelo mestre ambientalista, uma vez que restringir e/ou impedir o acesso tem o caráter de preservar e conservar a vida do planeta e, conseqüentemente, a vida humana.

Nesse sentido, há a preocupação permanente quanto à utilização dos recursos no planeta, tendo sido realizada a Convenção para a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais, de Helsinque, em 1992, ratificada, até 1998, por 23 países12.

A Convenção sobre os Usos dos Cursos de Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação prevê que “…os Estados do curso de água utilizam, em seus territórios respectivos, o curso de água internacional de modo eqüitativo e razoável. Em particular, um curso de água internacional será utilizado e valorizado pelos Estados do curso de água com o objetivo de chegar-se à utilização e às vantagens ótimas e duráveis – levando-se em conta os interesses dos Estados do curso de água respectivos – compatíveis com as exigências de uma proteção adequada do curso de água”13.

O uso da água, como bem ambiental, é também assegurado na legislação brasileira pela Lei n. 9.433/97, que prescreve, em seu art. 11: “o regime da outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”.

2.3. Princípio usuário-pagador e poluidor-pagador

Inspirado na teoria econômica, propriamente no que se chama de “vocação redistributiva do Direito Ambiental”, refere-se aos custos “externos” do processo produtivo, vale dizer, “o custo resultante dos danos ambientais”, que devem ser levados em conta ao ser calculado o custo da produção da obra ou planta, a fim de serem suportados sob o aspecto econômico, diante das conseqüências causadas ao meio ambiente14.

A intenção do princípio é imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, com um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas, também da a natureza”;é o que se chama “internalização de custos externos”.

O resultado seria gerar o uso dos recursos naturais sob duas formas, ou seja, mediante pagamento e gratuitamente, sendo que o “uso poluidor e a necessidade de prevenir catástrofes, entre outras coisas, podem levar à cobrança do uso dos recursos naturais“, como leciona Paulo Affonso (p. 50 e s.).

Encontra-se, todavia, centrado entre nós o princípio de que tratamos na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 4º, VII) ao prescrever a imposição, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos e a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, independentemente da existência de culpa.

Não significa o princípio que “a poluição deverá ser tolerada mediante um preço”, mas revela seu caráter inibitório e preventivo da provocação dos danos ao meio ambiente, sendo agasalhado pela Declaração de 92, do Rio de Janeiro, em seu princípio 16, que, prevê: “as autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso dos instrumentos econômicos, tendo em conta o critério de que o que contamina deveria, em princípio, arcar com os custos da contaminação, tendo devidamente em conta o interesse público e sem distorcer o comércio nem as inversões internacionais”15.

De outro lado, o princípio do usuário-pagador significa que o “utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria utilização”, tendo por objetivo “fazer com que estes custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros, mas pelo utilizador”, não justificando a imposição de taxas que tenham por ‘efeito aumentar o preço do recurso ao ponto de ultrapassar seu custo real, após levarem-se em conta as externalidades e a raridade”16.

Trata-se, em nosso entendimento, do dever de pagar pela potencialidade de lesão que possa ser causada ao ambiente, o que inclui a saúde humana, bem como a lesão propriamente dita e efetivada em razão da responsabilidade objetiva decorrente da teoria o risco, envolvendo não somente o poluidor causador, mas também os Poderes Públicos que detêm a responsabilidade sobre a fiscalização e autorização sobre qualquer atividade que possa alcançar o bem ambiental.

2.4. Princípio da precaução e da prevenção

A Política Nacional do Meio Ambiente baseia-se, sobretudo, na preocupação com a interligação e sistematização das questões ligadas ao meio ambiente, nacional e internacional, evitando-se a fragmentação e o antagonismo de leis esparsas: instituição de uma política nacional17.Instituída pela Lei n. 6.938/81 a política nacional tem como objetivos: 1) a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais; 2) a utilização racional dos recursos com vistas à sua disponbilidade permanente (art. 4º, I e VI).

De relevante importância nessa política pública, a avaliação dos impactos ambientais encontra-se inserida no art. 9º, III, entre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, recepcionada constitucionalmente, pela Carta de 1988 (art. 225, I e IV), tendo sido o Brasil o primeiro país do mundo a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental para a realização de uma obra ou atividade, merecedora desse estudo. Pretende-se, com isso, assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que é de incumbência do Poder Público, diante da instalação de atividade ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, para o que se exige o chamado Estudo Prévio de Impacto Ambiental, como já referimos18. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental deve ser anterior à autorização da obra e/ou atividade, não podendo ser concomitante nem posterior à obra e/ou atividade, ou seja, deve dar-se necessariamente antes da realização ou início do funcionamento de planta industrial ou atividade que possa sugerir qualquer degradação ambiental ou, ainda, apresentar dúvida quanto à realização segura da mesma, sob o enfoque do meio ambiente, o que inclui a saúde humana19. Nada obstante à realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, pode-se, ainda, exigir a cada licenciamento um novo estudo, o que deve ser feito pelo Poder Público através de procedimentos a serem definidos por lei20. Há, ainda, de ser ressaltada a importância da publicidade do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, cujo conteúdo deve informa ao público, “o que transcende o conceito de torná-lo meramente acessível”’, cabendo ao Poder Público publicá-lo, ainda que resumidamente, em órgão de comunicação adequado. O Estudo Prévio e a avaliação de impacto consistem em noções que se completam com os preceitos da Constituição Federal e da lei ordinária, notadamente das Leis n. 6.803/80 e 6.938/81, tendo por função emitir a avaliação do projeto, necessariamente, com o que se dá aplicação e efetividade ao princípio da precaução. A aplicação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental atende à necessidade da utilização de procedimento de prévia avaliação, diante da incerteza do dano, bem como de apontar o grau de perigo e a extensão do risco21. De acordo com a Resolução n. 1/86 do CONAMA, o Estudo Prévio desenvolverá a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através da identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando os impactos positivos e negativos, diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo, temporários e permanentes, bem como seu grau de reversibilidade, propriedades cumulativas e sinérgicas, distribuição dos ônus e benefícios sociais. Entre nós, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental é documento único de análise de degradação potencial e significativa do meio ambiente, decorrente do exercício de atividades ou instalação de obras22. De acordo com a Resolução n. 279/2001, do CONAMA (art. 1º), o Relatório Ambiental Simplificado deve abranger linhas de transmissão de energia elétrica, gasodutos e oleodutos, usinas termoelétricas e usinas hidroelétricas “de pequeno potencial de impacto ambiental”. Encontramos ainda referência quanto aos curtos prazos concedidos para o licenciamento ambiental, o que tem sido considerado “inaceitável”, sob o argumento de que “a proteção ao meio ambiente não é o que causa a dificuldade no fornecimento de energia”, sendo o estudo rápido  incompatível com o sistema de sua proteção, conforme assegurado pela Constituição Federal23.  O princípio da precaução compreende a “concepção de evitabilidade e prevenção do dano ambiental”; “não se trata de proteção contra o perigo ou contra o simples risco”. Combatendo-se o evento propriamente dito – poluição, acidentes, vazamento -, o recurso natural poderá ser desfrutado com base na duração de seu rendimento, levando-se em consideração, todavia, que são findáveis esses recursos. Aplicando-se tal princípio, os riscos devem ser minimizados, tendendo-se à sua eliminação, sendo os perigos proibidos, para o que se “requer a redução da extensão, da freqüência ou da incerteza do dano”24. Foi acolhido pela Declaração do “Rio 92”, em seu Princípio n. 15, que o prevê, “de modo a proteger o meio ambiente, devendo ser amplamente observado pelos Estados de acordo com sua capacidade, quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis e, diante da ausência de absoluta certeza científica, não devendo ser utilizado como razão para postergar medidas eficazes e viáveis economicamente para prevenir a degradação ambiental”. As semelhanças entre o princípio da precaução e da prevenção consiste essencialmente em que, para o primeiro, diante das atividades humanas, se dois comportamentos são tomados, ou se privilegia a prevenção do risco, vale dizer, se não se sabe que coisa sucederá, não se deve agir, ou se privilegia o risco e a aquisição de conhecimento a qualquer preço, ou seja, se não se sabe que coisa acontecerá, pode-se agir e, dessa forma, no final, saber-se-á o que fazer”25. O princípio da prevenção consiste, assim, no dever jurídico de evitar a consumação de danos ao meio ambiente, em fornecer indicação sobre as decisões a tomar nos casos em que os efeitos sobre o meio ambiente de determinada atividade não sejam plenamente conhecidos sob o plano científico. Nesse sentido, a prevenção de dano da Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito de 1989, expressa que: “a maneira mais eficaz de proteger a saúde humana e o meio ambiente dos perigos que esses resíduos representam é a redução ao mínimo de sua geração em termos de quantidade e/ou potencial de seus resíduos, determinadas a proteger, por meio de um controle rigoroso, a saúde humana e o meio ambiente contra os efeitos adversos que podem resultar da geração e administração de resíduos perigosos e outros resíduos …”26 Encontra o princípio da prevenção, previsão de sua aplicação na Lei n. 6.938/81, art. 2º, ao estabelecer que “A Política Nacional do Meio Ambiente observará como princípios a “proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas representativas” e  “a proteção das áreas ameaçadas de degradação”. Consideramos, assim, oportuno ressaltar as medidas de prevenção, sugeridas por Paulo Affonso Leme Machado: 1) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2) identificação e inventário dos ecossistemas, com elaboração de um mapa ecológico; 3) planejamentos ambiental e econômico integrados; 4) ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com a sua aptidão; 5) estudo de impacto ambiental.Os meios a ser utilizados na prevenção dos riscos, propriamente dita, têm correlação com o Princípio n. 8 da Declaração do “Rio 92”, “a fim de conseguir-se um desenvolvimento sustentado e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos”, devendo os Estados “reduzir e eliminar os modos de produção e de consumo não viáveis e promover políticas demográficas apropriadas”27.

3. Conclusões

Não se coloca em dúvida a capacitação ou o expertise ou mesmo a necessidade de atuação nesse ramo de atividades da navegação e transporte marítimo, mesmo porque este não é o propósito de nosso trabalho e, em nosso entendimento, nem poderia ser.

Trata-se do reconhecimento de que esses acidentes têm ocorrido em grande número e, conseqüentemente, causado resultados importantes para a coletividade em sentido amplo, razão pela qual, assim como outras ocorrências, outros danos ambientais, merecem revisão a fim de serem tratados pelos juristas e estudiosos do Direito em outra dimensão do dano, além daquele patrimonial ou moral.

O dano biológico ou dano à saúde humana, aplicado pelo Direito italiano, merece fazer parte dos critérios jurídicos brasileiros, buscando-se, o quanto possível, a restituição das lesões causadas à saúde humana, a partir de parâmetros mínimos e necessários.

Através da aplicação do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e da Lei do Meio Ambiente, a partir da base constitucional brasileira desses institutos, o aplicador do Direito tem à sua disposição fundamentação legal e jurídica suficiente para considerar o dano à saúde, em matéria de direitos difusos e coletivos, diante de uma ocorrência ambiental, independentemente do alcance patrimonial e moral das lesões ou ameaças que possa causar.

A saúde humana, sob o aspecto coletivo, inclusive, merece ser considerada diante da importância natural que ocupa em nosso meio: condição sine qua non para toda e qualquer discussão e conquista social, tecnológica, econômica e jurídica.

4. Bibliografia

BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Dano ambiental, prevenção, reparação e repressão (Coord.). São Paulo. Revista dos Tribunais, 1993.

CUNHA, Belinda Pereira da. Antecipação da tutela no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. “A ação civil pública e a defesa dos direitos constitucionais difusos”. In: Ação civil pública – Lei 7.347/85: Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

_________. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004.

_________. Curso de direito ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

SCOVAZZI, Tullio. Elementi di diritto internazionale del mare. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2002.

SMANIO, Gianpaolo Poggio. “A tutela constitucional do meio ambiente”. Revista de direito ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, p. 286-290, 2001.

Conferência das Nações Unidas, Suécia, junho de 1972.

Declaração de Estocolmo/72

Documento Rio 92 – Agenda 21


1 Antonio Herman Vasconcellos e Benjamin explica esses conceitos em seu memorável trabalho Dano ambiental, prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993, p. 10.

2 Localização cronológica feita por José Afonso da Silva (Direito urbanístico brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 436).

3 Benjamin, op. cit., pp. 11- 12.

4 Gianpaolo Poggio Smanio, “A tutela constitucional do meio ambiente”, Revista de direito ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, 2001, 286-290, 2001.

5 FIORILLO, “A ação civil pública e a defesa dos direitos constitucionais difusos”, in Ação civil pública – Lei 7.347/85: Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.185.

6 Conferência das Nações Unidas, Suécia, junho de 1972.

7 Idem, ibid. e no mesmo sentido Belinda Pereira da Cunha, Antecipação da tutela no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 49 e 55.

8 Paulo Affonso Leme Machado. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 45.

9 Referimos anteriormente a Declaração de Estocolmo/72, sobre o Meio Ambiente, sendo aqui salientado por Paulo Affonso Leme Machado que “o homem tem direito fundamental a … ‘adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade (Princípio n. 1)”. Quanto à sessão de Estrasburgo, destaca o autor: “tendência preponderante dos membros do Instituto foi a de considerar o direito a um meio ambiente sadio como um direito individual de gestão coletiva”, referindo o relator da oitava comissão de Meio Ambiente, Luigi F. Bravo. (op. cit., p. 45-46).

10 Ibidem.

11 Explica Paulo Affonso Leme Machado que: “leva-se em conta o estado dos elementos da Natureza – águas, solo, ar, flora e fauna e paisagem – para se aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos”. Explica que essa ótica influenciou a maioria dos países e, em sua Constituição passou a existir a afirmação do direito a um ambiente sadio (op. cit., p. 46).

12 A Convenção de Helsinque preconiza em suas disposições gerais que “os recursos hídricos são gerados de modo a responder às necessidades de geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades” (Paulo Affonso, op. cit., p. 49).

13 Ibid., p. 50.

14 Édis Milaré usa as palavras do professor francês Michel Prieur, e também de Ramón Martín Mateo, para explicar a “correção das deficiências apresentadas pelo sistema na economia de cunho liberal” (Direito do ambiente, p. 116).

15 Édis Milaré, op. cit., p. 116 e s.

16 Paulo Affonso Leme Machado cita Henri Smets (op. cit., p. 51).

17 Paulo Affonso Leme Machado, ibidem.

18 CF/88, art. 225, e Paulo Affonso (op. cit.).

19 Nesse sentido, a Ação Civil Pública proposta pelo IDEC e Greenpeace, a fim de obrigar a empresa Monsanto a realizar e apresentar o EPIA e análise de riscos à saúde humana, no Brasil, antes de aqui desenvolver o plantio e cultivo dos grãos geneticamente modificados de milho e soja.

20 Deve ser exigido pelo Poder Público: o procedimento deve ser instituído por lei – a CF/88 determina a utilização de processo legislativo para a realização de lei ordinária, ou seja, “na forma da lei” quer dizer na forma do que se fizer constar da lei, desde que esteja de acordo com a mens legis do art. 225 da CF. A ausência de lei especial a determinar o procedimento do EPIA não obsta sua realização, que permanece exigível na Constituição Federal, tratando-se de negativa de vigência à CF a não-realização do estudo sob o argumento de não haver sido determinado procedimento legal específico para o estudo que se deva realizar.21 Paulo Affonso Leme Machado, op. cit.

22 TRF 5ª Região: “a elaboração de EIA, com o relatório ambiental, constitui exigência constitucional para licenciamento de atividades… Leciona o professor Paulo Affonso que: “o procedimento consagrado pela CF é complementado pela leg. infrac., que organiza uma série de atos e etapas de comportamentos, cujo cumprimento ou descumprimento terão como conseqüência o êxito ou o fracasso  do objetivo fundamental da diminuição do dano ambiental” (op. cit.).

23 Nesse sentido, parece incompatível com o próprio sistema constitucional de proteção ao meio ambiente elaborar-se o EIA/RIMA somente se o impacto for considerado relevante.

24 O princípio da precaução foi introduzido expressamente no Direito brasileiro em 1981, presente no Direito alemão há três décadas.

25 De acordo com prof. Tullio Scovazzi (Dir. internacional, Milano), em Conferência realizada no Brasil em setembro/2002, Unimep, Piracicaba/São Paulo.

26 Prevenir: agir antecipadamente; para que haja ação é preciso que se forme o convencimento do que prevenir; para prevenir é preciso predizer.

27 Prevenção: não é estática, necessita de reavaliações, a fim de influenciar a formulação de novas políticas ambientais, das ações dos empreendedores e das atividades da Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário.


%BELINDA%

Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUCSP, Professora de Direito das Relações de Consumo, de Gestão Ambiental e Políticas Públicas, e de Direito Processual Civil com ênfase em Direito Coletivo.

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